Já eram 12h30min a fome batia forte sem nem mesmo tocar a campanhia, então resolvemos almoçar. Após enganar o estômago rolaram umas voltinhas na casa de Rui Barbosa e quando estou saindo para voltar pro trampo, eis que me deparo com aquele imenso logotipo das Lojas Amercianas do outro lado da rua. Curioso que sou, adentrei pela São Clemente e já fui logo invadindo aquele novo universo, parecia que havia ganho um ticket para outra dimensão e chegando lá me deparei com algo mais surreal ainda... parecia um Rei sentado com toda sua maestria em seu trono ( é trono e não troninho, como apenas um diminutivo pode mudar consistentemente o significado de uma palavra, né?), ou um troféu ganho pelo melhor dos melhores gladiadores da Roma Antiga na pior de suas batalhas contra Leões esboçando ódio em seu olhar e donos de dentes afiadíssimos, verdadeiras garras. Mas estava lá, sem nem mesmo esboçar um gesto ou qualquer movimento e fui me aproximando, me aproximando cada vez mais e fui pego de surpresa sem nem mesmo dar tempo para o meu cérebro raciocinar:
- Puta que pariuuuuuuuuuuuuuuuuuuu, um saco gigante de pipoca rosa por apenas 2,99! Caralhooooooooooooooooo
Nem preciso dizer que sai com o meu troféu, andava na rua com o peito estufado, olhar certeiro esboçando para todos a minha mais nova aquisição do dia, e ainda de quebra rolou um saco de chicletes ácidos para tentar pregar algumas peças em alguém do trabalho. Parecia um lorde inglês andando pelas ruas “minadas” de Botafogo com seu brinquedinho novo na mão.
Ao chegar ao trabalho coloquei o motivo de tanto orgulho para minha pessoa no centro da minha baia, encima de umas revistas de petróleo que recebo todo mês, nem sei por quê. Não demorou cinco minutinhos e as pessoas já começavam a gritar de felicidade, quando escuto uma voz lá no fundinho dizendo: Olha o que o Thiago comprou de Cosme e Damião pra gente...
Pronto, tomei um baque. Tiro certeiro. Como assim Cosme e Damião? Cadê as crianças pedindo doces ou roubando os da macumba?
E não demorou muito, passou um vídeo inteiro da minha “velha infância” num destes bairros que os cariocas chamam de subúrbio.
É, para quem não sabe, sou fruto de uma classe média suburbana. Recordo com afeição da minha infância em tais locais, toda a minha trajetória, minhas raízes e até um pouco da minha identidade foram formados ali com tanto afinco. Um dia quem sabe, posso estar com bastante dinheiro ou até morar em uma cobertura na Vieira Souto, mas se por acaso, isso acontecer a minha essência continuará a mesma, minhas raízes estão plantadas eternamente no subúrbio, e não tem reforma agrária que as tire de lá. Vocês entrarão na “minha cobertura” mas ao abrirem a geladeira só depararão com coxinhas, risole, quibe, joelhos e por aí vai. Não existe ex-viado, ex-mulher... então parando para pensar sob esta lógica também não existe ex-suburbano.
Voltando à minha infância, sempre fui um garotinho muito medroso, mas isso não impedia que fosse um capeta... Deus me livre!
Apesar de ser aquele garotinho gordinho que sempre sonhou em ter uma piscina cheia de Coca-Cola dentro de casa , que sempre nas aulas de educação física era um dos últimos a ser escolhido no par ou ímpar e ainda ia pro gol, que sempre respondia as perguntas totalmente pertinentes com frases totalmente impertinentes, como:
- Você quer carona?
-Não obrigado, eu já almocei hoje.
Ou
- E aí já vai dormir?
- Pois é , não tenho dinheiro o suficiente, mas estou juntando no porquinho.
Confesso que até os dias de hoje sou fãs de frases desconexas em situações completamente conexas, mas deixa isso pra lá, são resquícios de uma infância suburbana hiperativa e com um primário bem feito. Pois o primário é a base de todos os nossos alicerces, de toda a nossa estrutura emocional e racional e quando este é mal feito, fudeuuuu. Não adianta, é batata. Pode ser o presidente do país, CEO de Multinacionais, artista, intelectual... mas se tem um primário mal feito, fudeu.
Como era gostoso o dia de São Cosme e Damião, corria o bairro todo pedindo doces para quem cruzasse o meu caminho. Era tão legal passar pelas ruas e me deparar com aquelas senhoras sentadas com as suas cadeirinhas de praia na frente das suas casas para tricotar com as “meninas”. Detalhe as meninas aqui referidas são também senhoras com seus 80 e poucos anos de praia. Eu passava por elas e sempre me perguntava internamente: De que museus saíram essas múmias? Mas no fundo, no fundo eram nada mais que “doces meninas” o velho era eu mesmo.
Como era gordinho, andava menos, logo pegava menos doces, logo.... era o mais o zuado entre os amigo, certo? Erradooooo, eu roubava todos os doces da macumba que tinha a cada três postes percorridos. Mal sabiam os moradores do meu bairro que naquela época, em dia de São Cosme e Damião, metade do subúrbio era abastecido com doces de macumba que eu roubava e falava que havia ganho, para não ser o mais zuado da turma.
Recordo também daquele céu azul cheio de pipas mergulhando nas nuvens como se fossem verdadeiros espermatozóides na corrida ao óvulo. Alguém aí, se lembra de algum dia ter visto uma pipa nos céu desta terrível e cosmopolita Metróple em que as crianças não vão para as ruas pegar doces no dia de Cosme e Damião?
Não né? Porque tem coisas que só os subúrbios fazem pra gente, depois em outras oportunidades lhes conto melhor sobre os clóvis ou vulgos bate-bolas, porque provavelmente vocês estavam jogando Alex Kid no Máster System e não vivenciaram estas dádivas dos céus.
O mais engraçado foi relembrar aqueles tiozões que sempre estavam soltando pipas junto dos moleques do bairro e depois quando tinham seu objeto de trabalho cortado por outra pipa, eles saiam gritando e correndo sem nem mesmo olhar para os lados:
Avoou , avoou .... foi no cabresto.... que merda.
Imaginem a cena, era cômico ver aqueles senhores, no mínimo quarentões correndo só com uma bermudinha de nylon e boné para trás no meio de uns 20 moleques. Realmente, pareciam o Peter Pan e seus companheiros. Só que neste caso, apenas quem voava era a pipa. E não satisfeitos os mesmos compravam um sacolé e sentavam naqueles chãos de paralelepípedos e começavam a contar histórias da época da conchinchina, incrível como aqueles quarentões sempre tiveram um passado estupendo, maravilhoso.... Era uma situação realmente cômica e digna de um subúrbio que se preze, todo subúrbio tem que ter o seu arquétipo de tiozão soltador de pipa, na verdade os mesmo mais pareciam baleias Jubarte em época de acasalamento, mas são crias do subúrbio e têm o seu valor, até confesso que foram importantíssimos para o meu aprendizado de vida a observação de tais criaturas, pois ali aprendia tudo o que eu não queria ser, ou o que não era legal e com isso até me esforçava mais no colégio com medo de ser a próxima geração de tiozão. Ufa! Pelo menos dessa eu escapei....
Estava gostoso relembrar a minha doce infância, mas de repente o telefone toca e estraga todo o meu momento de descontração e nostalgia.
- Alô ,
- Alô , Thiago aqui é da Coca, tudo bem?
- tudo.
- Pois é, você pode dar uma olhadinha para mim nos dados de 2004, 2005 e 2006 de uma campanha em Porto Alegre?
- Claro, vou ver aqui e já te mando... abração.
Desliguei o telefone a pensei comigo mesmo:
- Puta que pariu e um dia ainda pensei em ter uma piscina cheia de Coca só para eu ficar mergulhando.
VIVA COSME E DAMIÃO!
quarta-feira, setembro 27, 2006
Cosme e Damião...... Ahhh que saudade que tenho da aurora da minha vida, da minha infância perdida que os velhos tempos já não trazem mais.
Postado por Thiago Macedo às 9:21 PM
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